O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou em entrevista ao jornalista Cassinao Elek Machado, da Folha de São Paulo, que os políticos não têm condições de compreender a “insatisfação genérica” da população e nem de capitalizá-la. “Tenho dúvidas se os partidos vão ter capacidade de captar tudo isso e transformar ao menos sua mensagem”, diz Cardoso.
Aos 82 anos, completados na semana passada, o presidente está lançando o livro “Pensadores Que Inventaram o Brasil” (Companhia das Letras), sobre intelectuais que elaboraram grandes teorias sobre o país. Mas ele diz que nenhum teórico do passado poderia entender o que acontece hoje nas ruas.
O sr. acaba de lançar um livro sobre intelectuais que fizeram grandes interpretações do Brasil. Como estes pensadores podem ajudar a entender o que está acontecendo no país?
Muda muito. Aquele era um movimento a favor da autonomia e da liberdade. Na França, em 1968, eles não tinham linguagem para expressar o sentimento que tinham. Ou era foice e martelo, ou bandeira negra, e cantavam a “Internacional Socialista”, que diz “De pé, ó famintos da terra”. Não tinha faminto nenhum ali. Mas a França tinha sindicatos, partidos, organização. Agora, com a internet, e com a fragmentação maior de classes, é diferente. O comando é quase inexistente, vai se formar na rua. As demandas são muitas, o pretexto pode ser qualquer um. Esta situação me lembra um ensaio meu dos anos 1970 chamado “A teoria do curto-circuito”.
Leia a seguir trechos da entrevista.
Fernando Henrique Cardoso – Eles não entenderiam e nem poderiam entender. Vivíamos num mundo das classes organizadas, ou desorganizadas querendo se organizar. Estas são manifestações que não são expressões de camadas organizadas. A primeira manifestação disso que eu vi foi em Paris em 1968. E isso ainda sem a internet.
Qual a maior mudança?
Vivemos um curto-circuito?
Sim. O preço de ônibus foi um estopim. Ali está desencapado um fio. Mas aí pega fogo em outros. Não foi a classe dominada. Foram os jovens. São eles que estão gritando aí. Não foram os que não podem pagar. Estão gritando contra a injustiça em geral, vagamente. Juntam tudo: PEC 37, a corrupção, o custo dos estádios, dos transporte.
Qual o papel dos últimos governos nisso?
Nesses últimos anos, com a ascensão do Lula, o que ele propôs como ideologia? Vamos consumir o que é bom. Não é por que eu uso um macacão que não posso ter um automóvel. Criou um estilo de crescimento que é o oposto da China. Lá fazem poupança e investem. Aqui, consome-se sem investir. A rua está dizendo: não basta o consumo, quero mais. Não há razão objetiva. Não tem desemprego, ditadura ou opressão. Não é mundo árabe, Espanha ou Itália.(Folha de São Paulo)
Nenhum comentário:
Postar um comentário