Durante as missas do último domingo (25), Gerônimo Moreira, de 32 anos, decidiu ler uma carta anunciando a decisão. "Com o tempo fui observando que na nossa amizade tinha algo a mais: o amor, mas sempre procuramos deixá-lo só no nível da amizade, pois dizia que, se por acaso eu percebesse que não conseguiria manter o celibato, deixaria antes o ministério para não escandalizar a comunidade. Mas por ironia do destino não aconteceu como eu pensava e nos envolvemos concretamente e hoje ela está grávida e eu quero assumir a paternidade", diz, em um trecho da carta.
Gerônimo conta que conheceu Emília Carneiro, hoje com 23 anos, em 2007, quando ainda era seminarista. "Eu a conheci dia 20 de setembro de 2007 em um encontro do grupo de jovens. A gente começou uma amizade e despertou algo diferente, mas eu pensava que seria padre e que não haveria essa possibilidade", lembra Gerônimo, que cresceu em uma família religiosa e desde garoto dizia que planejava ser padre na fase adulta.
Durante quatro anos, Gerônimo frequentou a comunidade onde Emília vivia para fazer pregações. Nesse período, a amizade entre os dois se fortaleceu e o contato era frequente por meio de ligações telefônicas e mensagens. "Eu ia lá uma vez por ano, falava às vezes por telefone, de vez em quando passava mensagem, mas não desconfiava que algo poderia acontecer ou que ela teria interesse em mim", revela.
Vocação e conflito
Gerônimo se tornou padre em novembro de 2009 e diz que durante sua formação nunca teve dúvidas sobre sua vocação religiosa. "Minha família é religiosa, desde os 7 anos dizia que queria ser padre. Aos 13, 14 anos, comecei a namorar e parei de falar que queria ser padre, mas aos 20 anos terminei o segundo grau e resolvi que tinha que decidir o que faria e fui para o seminário em 2002", conta.
Foram seis anos de formação religiosa, entre estudos de filosofia e teologia com passagens pelos municípios de São Gonçalo dos Campos, Salvador e Feira de Santana. A primeira paróquia na qual Gerônimo atuou foi a de Valente, ainda como seminarista, em 2008. Em 2011, assumiu a paróquia de Gavião.
Ao perceber que o sentimento por Emília não era apenas amizade, Gerônimo diz que ficou em crise. Ele conversou com a moça, que revelou também se sentir envolvida por ele. "Quando aconteceu o primeiro beijo, a gente falava que aquilo não deveria ter acontecido. Ela ficava preocupada, ficamos assim alguns dias, mas não conseguíamos conter a vontade de ficar junto", declara.
Desde 2012, quando ocorreu o primeiro beijo, Gerônimo e Emília mantiveram o sentimento em segredo. "Ninguém desconfiou, e se desconfiavam, não falavam. Somente nós dois sabíamos", garante.
Embora temesse a reação das pessoas, o casal decidiu revelar o relacionamento quando Emília descobriu a gravidez em maio deste ano. "A gente precisava assumir. De imediato resolvi assumir. Nós conversávamos muito com medo da reação das pessoas, não queríamos ser motivo de escândalo para a comunidade. O pai dela disse que pela nossa amizade tinha medo que isso acontecesse, mas, como assumi, a família dela encarou com mais tranquilidade", afirma.
"A gente passou por essa crise, entre a fé e o amor, mas depois que revelamos fiquei aliviada. Estou feliz", declara Emília.
Após as três missas que celebrou no domingo, Gerônimo anunciou para a comunidade seu desligamento da Igreja. "Eu fiquei emocionado e chorei muito, quase a igreja toda chorou", lembra.
O G1 conversou com funcionários da paróquia em que Gerônimo trabalhava e o sentimento era de tristeza. "A gente está sentindo muito a perda. Aqui o clima é de velório, mas estamos respeitando a decisão dele. A revelação foi um choque", afirma uma das funcionárias, que prefere não ter o nome divulgado.
"Nós soubemos formalmente pelo bispo. Quem somos nós para julgar? Quando alguém vem falar comigo sobre o caso sempre cito Romanos, capítulo 14 [trecho da Bíblia]", diz outro funcionário que conhece Gerônimo.
Planos para o futuro
Uma casa do irmão de Gerônimo está sendo reformada em Feira de Santana para receber a família. "Inicialmente vamos ficar um pouco mais afastados da comunidade", completa.
O casal planeja celebrar o matrimônio em uma igreja católica, mas para isso precisa de uma autorização do Papa Francisco. "Vou fazer um pedido formal para casar. O bispo ficou de se informar sobre os procedimentos. Acho que o padre precisa fazer uma carta pedindo dispensa para casar na Igreja. Geralmente os papas liberam", afirma.
Sobre sua relação com Deus, Gerônimo garante que a fé é a mesma. O que mudou, diz, é a forma de seguir a religião. "Só não vou servir como padre, mas vamos continuar ajudando como for possível", conclui.
(G1)
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