As cidades baianas de Itabuna e Salvador serão as primeiras a receber a circulação nacional do espetáculo Solo de Marajó, do grupo paraense Usina Contemporânea de Teatro, contemplado com o Prêmio Myriam Muniz da Fundação Nacional das Artes (Funarte). A estreia da turnê será em Itabuna, no próximo dia 19, seguida de mini temporada em Salvador, nos dias 21 e 22.
Solo de Marajó foi criado a partir da obra do romancista Dalcídio Jurandir, natural de Ponta de Pedras, na Ilha de Marajó, no Pará. Embora seja praticamente desconhecido pelo grande público, este caboclo marajoara é autor da maior saga da literatura da Região Norte, com dez romances publicados entre 1941 e 1978, e que reunidos constroem o maior testemunho literário de que se tem notícia sobre o modo de vida do homem que habita pequenas cidades e povoados na Amazônia.
A ideia da turnê Solo de Marajó nos solos de outros brasis é levar a prosa dalcidiana às terras de outros escritores regionalistas, cujas obras também refletem sua cultura.
Além da Bahia de Jorge Amado – itabunense de cujas mãos Dalcídio recebeu o prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto da obra –, o espetáculo visitará ainda o Ceará de Rachel de Queiroz, as Alagoas de Graciliano Ramos, a Paraíba de José Lins do Rego e o Rio Grande do Sul de Érico Veríssimo. Serão duas apresentações nas capitais e uma na cidade natal de cada escritor.
Solo de Marajó estreou em 2009, em Belém, integrando a programação especial da Feira Panamazônica do Livro, o maior evento literário da região. Há seis anos, o espetáculo cumpre uma trajetória com inúmeras apresentações em todo o Pará, mas já ultrapassou as fronteiras do estado.
Em 2010, foi apresentado em São Paulo durante a I Mostra da Cena Paraense Contemporânea, e voltou à capital paulista no ano passado, integrando a programação da Virada Cultural.
A repercussão nacional se ampliou a partir de fevereiro deste ano, quando Solo de Marajó foi convidado para integrar a conceituada programação do Midrash Centro Cultural, no Rio de Janeiro. A receptividade de público e crítica foi tão boa, que resultou em outras cinco apresentações na capital fluminense e mais uma no município de Niterói, num período de apenas três meses.
O que tem surpreendido o público em todos os solos por onde passa é a ousadia da encenação. Sozinho sobre o palco nu, o ator paraense Claudio Barros, que em 2016 celebra 40 anos de intensa atuação na cena paraense, conta oito histórias tiradas do romance Marajó, o segundo de Dalcídio.
Utilizando o corpo e a voz para construir as narrativas, a atuação estimula a imaginação do espectador, convidado-o a povoar o espaço vazio com a memória de pessoas e lugares.
Os temas das narrativas vão desde questões de cunho social, como racismo, exploração do trabalho, tráfico de crianças e prostituição, até o universo íntimo das relações amorosas, recheadas de paixão, dor, solidão, ciúme e vingança.
Esta visão multifacetada do autor levou os criadores a uma dramaturgia que não se preocupa em dar conta da fábula romanesca, mas acaba por construir um mosaico capaz de representar as relações humanas na Amazônia.
A montagem de Solo de Marajó dá continuidade à pesquisa do grupo Usina sobre o ator como narrador. As fontes para esta criação foram a observação do comportamento cotidiano dos habitantes de Ponta de Pedras, onde se passa o romance, e histórias de vida do próprio atuante.
O autor
Nascido na vila de Ponta de Pedras, na Ilha de Marajó, em 10 de janeiro de 1909, Dalcídio Jurandir Ramos Pereira foi jornalista e escritor. Passou a infância no município vizinho de Cachoeira do Arari e logo depois mudou-se para Belém. Foi para o Rio de Janeiro pela primeira vez em 1928, com apenas 19 anos, onde chegou a lavar pratos para sobreviver. Ainda voltou ao Pará algumas vezes mas viveu no Rio até morrer, no dia 16 de junho de 1979.
Segundo o crítico Benedito Nunes, para quem a obra do escritor marajoara funda a paisagem urbana na literatura amazônica, os dez romances (além destes, ele ainda escreveu Linha do Parque, de temática proletária e publicado no Rio Grande do Sul e na Rússia) integram um único ciclo romanesco, quer pelos personagens e as relações que os entrelaçam, quer pela linguagem que os constitui, num percurso que vai desde Cachoeira do Arari até Belém, criando uma radiografia tanto do ambiente rural na Amazônia quanto da periferia da capital paraense no Século XX.
Apesar de ser frequentemente enquadrada na segunda fase do modernismo brasileiro, caracterizada sobretudo pelo regionalismo e pela denúncia social, a obra de Dalcídio ultrapassa toda forma de enquadramento.
Do ponto de vista formal e estilístico, a prosa dalcidiana explora elementos da narrativa moderna, como as quebras com a linearidade espaço-temporais, uso da técnica do fluxo de consciência para realçar a densidade psicológica dos personagens ou a projeção de sentimento na descrição da paisagem.
Em 1972, Dalcídio recebeu das mãos de Jorge Amado o prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto de sua obra. Na oportunidade, o escritor baiano declarou que o romancista paraense “trabalha o barro do princípio do mundo do grande rio, a floresta e o povo das barrancas, dos povoados, das ilhas, e o faz com a dignidade de um verdadeiro escritor, pleno de sutileza e de ternura na análise e no levantamento da humanidade paraense, amazônica, da criança e dos adultos, da vida por vezes quase tímida ante o mundo extraordinário onde ela se afirma”.
Atualmente, a memória de Dalcídio tem duas referências importantes. Em Niterói (RJ) está sediada a Casa Dalcídio Jurandir, dedicada à divulgação de vida e obra do escritor paraense. Lá, o visitante encontrará exemplares das primeiras edições dos romances do autor, parte de sua biblioteca pessoal, além de escritos inéditos entre poesias, crônicas e cartas. As visitas devem ser agendadas através do site www.dalcidiojurandir.com.br. Outra parte importante do acervo do escritor encontra-se na Fundação Casa de Rui Barbosa (RJ), acessível pelo endereço www.casaruibarbosa.gov.br.
O ator
Claudio Barros, 52 anos, começou no teatro em 1976 e tornou-se um dos mais notáveis atores paraenses de sua geração, com passagem por grupos importantes na cena contemporânea local como Experiência (onde integrou o elenco original de Ver de Ver-o-Peso, famosa ópera cabocla, há mais de 30 anos em cartaz), Cena Aberta e Cuíra do Pará, do qual é um dos fundadores. Atua também no cinema, como produtor e preparador de elenco. Desde 2009, integra o núcleo de criação da Usina Contemporânea de Teatro, atuando em Solo de Marajó.
O diretor
Alberto Silva Neto, 45 anos, começou no teatro como ator, em 1987. É também diretor, mestre em Artes Cênicas e professor da Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará (UFPA). Tem passagem pelos grupos Palha, Experiência e Cuíra do Pará. Nos últimos dez anos, dirige as criações da Usina Contemporânea de Teatro, do qual é um dos fundadores, investigando possibilidades para uma poética amazônida, inspirada nos modos de vida do povo caboclo (fruto da miscigenação entre índios e brancos), ancorada na figura do ator como contador de histórias.
Ficha técnica do espetáculo
Atuação e figurino: CLAUDIO BARROS. Direção e iluminação: ABERTO SILVA NETO. Dramaturgia: ALBERTO SILVA NETO, CARLOS CORREIA SANTOS E CLAUDIO BARROS. Projeto gráfico: MARCELA CONDURU. Fotos: JM CONDURU. Produção: SANDRA CONDURU.
Obra de Dalcídio Jurandir
Série Extremo-Norte
- Chove nos Campos de Cachoeira, Editora Vecchi (1941)
- Marajó, Editora José Olympio (1947)
- Três Casas e um Rio, Editora Martins (1958)
- Belém do Grão Pará, Editora Martins (1960)
- Passagem dos Inocentes, Editora Martins (1963)
- Primeira Manhã, Editora Martins (1968)
- Ponte do Galo, Editora Martins/MEC (1971)
- Belém do Grão-Pará, Publicações Europa-América (1975) Edição Portuguesa
- Chove nos Campos de Cachoeira, 2ª Edição, Editora Cátedra (1976)
- Os Habitantes, Editora Artenova (1976)
- Chão dos Lobos, Editora Record (1976)
- Marajó, 2ª Edição, Editora Cátedra/MEC (1978)
- Ribanceira, Editora Record (1978)
Série Extremo-Sul
- Linha do Parque, Editora Vitória (1959)
- Linha do Parque, Editora Russa (1962) Edição Russa
Publicações póstumas
- Passagem dos Inocentes – Editora Falângola (1984)
- Linha do Parque – Editora Falangola (1987)
- Chove nos Campos de Cachoeira – Editora Cejup (1991, 1995 e 1997 (com o Jornal Província do Pará))
- Marajó – Editora Cejup (1991 e 1992)
- Três casas e um Rio – Editora Cejup (1991 e 1994)
- Chove nos Campos de Cachoeira – Edição Crítica de Rosa Assis – Editora da Unama (1998)
- Belém do Grão-Pará – Editora Edufpa/Casa de Rui Barbosa (2005)
- Marajó – Editora Edufpa/Casa de Rui Barbosa (2008)
- Primeira Manhã – Eduepa (2009)
- Chove nos Campos de Cachoeira (Nova e definitiva edição com “texto inteiramente revisto, corrigido, reestruturado e amplamente emendado pelo autor, de próprio punho”) – Editora 7 Letras (2011)
Serviço: Apresentação única em Itabuna no dia 19 de agosto, às 20h, no Galpão 59 Espaço Cultural (Rua Pirajá, 59), com entrada gratuita. Mini temporada em Salvador nos dias 21 e 22 de agosto, às 18h, no Teatro Vila Velha (Av. Sete de Setembro s/n), no Pague Quanto Puder. Duração: 56 minutos.
Maiores informações e agendamento de entrevistas:
Alberto Silva Neto (diretor) – /99120-6080 e netosilvaalberto@gmail.com.
Claudio Barros (ator) – e cbt.barros@yahoo.com.br.
Sandra Conduru (produtora) – e sandraluciaconduru@Yahoo.com.br
plantao itabuna
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