A carne de cavalo não é perigosa para o ser humano – ao contrário daquela da vaca louca, nos anos 90 do século passado, quem não lembra? Isso pode ser verdade. Mas há problemas apontados que vêm com a carne de cavalo. Um dos problemas é de fato bioquímico: cavalos tomam remédios desaconselhados para os seres humanos, como Fenilbutazona, que é um anti-inflamatório, e isso pode, eventualmente, acompanhar a carne equina, sobretudo se o abate ou a comercialização forem feitos de modo clandestino. Outro problema é que este novo “escândalo da carne de cavalo” no lugar da bovina expõe o drama da falta de fiscalização ou de sua precária realização em escala continental. Como em outros casos, sempre se procura um bode expiatório, de preferência num país distante.
Sem falar no “país Nestlé”, a maior empresa produtora de alimentos do mundo que, depois de anunciar que seus produtos estavam a salvo, teve de retirar lasanhas e outros produtos das gôndolas de supermercado quando algumas amostras apresentaram vestígios da carne de cavalo.
Um terceiro ponto é que este episódio é mais um numa cadeia de escândalos e problemas alimentares. No fim de ano passado uma estranha incidência de problemas gastrointestinais foi detectada na França, cuja origem até o momento não foi completamente esclarecida. Um pouco antes uma verdadeira epidemia de infecções gastrointestinais afetou milhares de crianças na Alemanha, com diarreias e vômitos, obrigando centenas de escolas a fecharem suas portas, uma vez que a causa foi detectada na merenda escolar. Desta vez a culpa recaiu sobre morangos importados da China.
Da mesma forma, em 2011 uma epidemia de graves infecções no aparelho digestivo, esta com várias vítimas fatais, atingiu diversos países europeus a partir da região do norte da Alemanha, sobretudo em torno de Hamburgo. Primeiro, a culpa foi posta em pepinos importados da Espanha, com graves prejuízos econômicos para os produtores daquele país, que, depois, o governo alemão teve de indenizar. Mais tarde, constatou-se que a contaminação iniciara a partir de plantações de brotos vegetais em sítios daquela região, mas o problema foi novamente mandado para longe, pois se anunciou que os tais brotos vinham do Egito.
Ocorre, no entanto, que não houve epidemia na China nem no Egito. O problema foi e pelo visto continua sendo europeu, e de dimensão europeia, só podendo, portanto, ser equacionado numa dimensão europeia. Aí reside o problema do problema, uma vez que em dimensão europeia, com a crise do sistema financeiro e as consequentes “políticas de austeridade” para contê-la, ou pelo menos circunscrevê-la aos governos e suas “dívidas soberanas”, em vários países as agências e o alcance da fiscalização vêm passando por reduções expressivas.
Sistemas hospitalares, como no caso da infecção de 2011, vêm mostrando superlotação, e também ocorrem problemas de coordenação dentro dos sistemas de saúde. Na epidemia de 2011 decorreram duas ou três semanas entre os primeiros casos e o alerta de que o caso era de grande dimensão por falta de circulação das informações entre os centros hospitalares e a demora em fazê-las chegar ao Instituto Robert Koch, o centro de controle de endemias e epidemias na Alemanha.
A solução, portanto, passa pela recuperação do poder de fiscalização dos estados e da União Europeia como um todo. Mas isso, como se sabe, não agrada a atual hegemonia economicamente ortodoxa que prevalece no continente.
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