segunda-feira, 18 de março de 2013

Depois de trocar a MTV pela Globo, Marcelo Adnet diz que não liga se o chamam de ‘vendido’ Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/revista-da-tv/depois-de-trocar-mtv-pela-globo-marcelo-adnet-diz-que-nao-liga-se-chamam-de-vendido-7853445#ixzz2NwcnkXWt © 1996 - 2013. Todos direitos reservados a Infoglobo Comunicação e Participações S.A. Este material não pode ser publicado, transmitido por broadcast, reescrito ou redistribuído sem autorização.



O ator e comediante Marcelo Adnet diz que não vê motivo para ver a mudança de emissora como um peso
Foto: Daniela Dacorso
O ator e comediante Marcelo Adnet diz que não vê motivo para ver a mudança de emissora como um pesoDANIELA DACORSO
RIO - Se Marcelo Adnet passasse por uma entrevista demissional na MTV, onde trabalhou nos últimos cinco anos, provavelmente usaria o tradicional “sem perspectivas de crescimento na empresa” para justificar sua saída. Não que o humorista não seja grato ao canal, no qual ganhou prestígio e fama; também não significa que ele não tenha sido, por muito tempo, a grande estrela da emissora paulista, com passe livre para maiores delírios criativos. A questão é simples: segundo o próprio, não havia mais qualquer desafio. E ponto. Programa ao vivo? Feito. Uma atração de viagens? Também. “Não tinha mais para onde ir”, admite Adnet, de um jeito tímido, até.
Depois de anos de convites e negociações, o comediante finalmente aceitou mudar de casa. De contrato assinado com a Globo, ele será a estrela de “O dentista mascarado”, nova série escrita pelo casal Fernanda Young e Alexandre Machado, com estreia prevista para 5 de abril. Conhecido por seus arroubos criativos, Adnet não é autor da trama, a despeito de ter recebido carta branca para palpitar o quanto desejasse. De qualquer forma, diz que não está com pressa para pôr suas próprias ideias em prática.
— Várias coisas pesaram na minha decisão. Já havia feito tudo que tinha que fazer na MTV. Dizia “Ah, estou com vontade de fazer isso ou aquilo”, e fazia. Já realizei muita coisa lá, até um programa de viagens, que era um projeto pessoal. Não havia mais para onde eu ir. Achei que era o momento certo de me forçar a uma novidade, de fazer um projeto novo — explica Adnet, que acredita que “mudanças drásticas” como esta já são normais em sua vida. — Não me encho de expectativa e nem de cobrança, não fico “Ai, meu Deus, o que tenho que fazer?” Nada. O melhor que eu faço é nada. Claro que é diferente (ir para a Globo), é um salto, tudo isso. Mas fazia tudo com tanto gosto antes... Tenho que continuar assim. Não vejo motivo para me sentir inseguro, ou até sentir essa passagem como um peso.
O lado pessoal também falou alto na hora da decisão. Carioca do Humaitá, Adnet sentia falta do Rio. Queria fazer o caminho inverso na ponte aérea, depois de cinco anos morando em São Paulo de segunda a sexta-feira. Além da família e dos amigos, a falta de “sol, praia, floresta” pesou. O papel em “O dentista mascarado” também. A proposta para mudar de emissora veio junto com o convite para a série, na qual ele interpreta o doutor Paladino — um tipo pacato que, na calada da noite, abandona seu consultório para combater o crime. No elenco ainda estão Taís Araújo, Leandro Hassum e Diogo Vilela.
— É meu primeiro protagonista em TV nesse esquema. Sempre fiz programas de esquetes, e está sendo uma experiência mais próxima do cinema — explica ele, que não quer encarar a série apenas como um pretexto para entrar na Globo, como muitos afirmaram. — Não vou ter a postura de desprezar a série, dizer “é só uma porta de entrada na Globo”. É um trabalho lindo, está muito legal. Seria burro da minha parte chegar mudando tudo, rasgando tudo. Agora é mais o momento de descobrir do que de inventar. Sempre gostei de criar, e não vou deixar de gostar.
A rotina de trabalho mudou, e muito. Nos tempos de “Comédia MTV ao vivo”, Adnet ensaiava e gravava VTs às terças e quartas. Às quintas, chegava um pouco mais cedo para se preparar para a atração, que ia ao ar às 22h30m. Com “O dentista mascarado”, seus dias às vezes começam às 8h e terminam às 3h. Não que ele esteja reclamando. Falar com e para muita gente, diz Adnet, é algo que ele ainda não experimentou na televisão. E, ele acredita, falta variedade no que toca ao humor na TV:
— A coisa legal de ser assistido é que as pessoas absorvem, porque querem novidade e variedade. Inventou-se um mito de que a classe C só quer ouvir pagode, só quer ver a mesma coisa, e que qualquer coisa que não seja pagode a classe C rejeita. Isso é mentira. As pessoas querem ter uma vida cultural, seja o que for essa cultura: teatro, cinema ou televisão. TV é a alternativa que todo mundo tem, e um bem que todo mundo consome e a que assiste. Se você faz um trabalho bom, você inspira as pessoas, dá exemplo. Precisamos de alternativas, de opções viáveis.
Adnet insiste na tecla da diversidade. Diz que tanto faz a opção boa estar ao lado da ruim, seja na TV ou em qualquer lugar. O importante é dar ao público o poder de escolher ao que quer assistir:
— Não sou o cara que vai dizer o que é bom ou é ruim. Não tenho planos de ser educador, nem essa pretensão, nem sei se vou conseguir. Funk é ótimo, o cara está lá de cordãozão, com várias mulheres, uma moto importada e tudo bem. Mas e quando você só tem isso? É importante que nem todo mundo seja Flamengo, metaforicamente falando. O cara com variedade tem possibilidade de escolher. Mas também estou entrando (na Globo) agora, estou pensando, projetando. Tenho um certo idealismo, com certeza. Sempre fui idealista.
Na MTV, Adnet conta que a audiência raramente chegava a um ponto — e, ainda assim, era “cercado nas ruas”. Costumava dizer que o canal paulista era “a TV do quarto, e não a da sala”. Realocado em um novo cômodo, por assim dizer, o humorista já pensa nas mudanças que terá que empreender em sua linguagem:
— Agora, quando criar uma piada, vou pensar no grande público, não em mim ou num público específico. É uma mudança sutil, troca-se uma palavra por outra e já está resolvido. Estava acostumado a falar com jovens da classe A, mas quando o guardador de carros me para e fala que viu algo comigo é muito bom. Pobreza no Brasil não é só de dinheiro, não é ter só 10 reais no bolso para passar o dia. Essa é mais fácil de lidar, você pede emprestado, ou faz uma refeição boa e barata. O problema é que você mora num lugar que não tem um teatro, um cinema e com zero vida cultural.
Autointitulado “esquerdista do Humaitá e adepto de teorias da conspiração”, o humorista conta que, junto com a ida para a Globo, vieram as acusações de ter se vendido ao sistema. Tantos dedos apontados em sua cara, ainda que virtualmente, nas redes sociais, foram em vão. “Ninguém ainda me disse ‘isso você não pode fazer’”, garante:
— Quando um time grande joga contra um pequeno, todo mundo torce pelo pequeno. Se uma empresa é muito grande, poderosa, as pessoas implicam. Mas agora, de dentro, vejo que dá para fazer coisas positivas. Na MTV, quando queria um figurante, chamava o maquiador. Agora, posso dizer “preciso de 100 pessoas vestindo azul e dançando polca”. Mas a produção está sempre a serviço da ideia, e não a supervalorizo.
Adnet confessa que se sente patrulhado, especialmente na internet. Dar uma opinião, hoje, é como pisar num campo minado: seja qual for o seu comentário, sempre virá uma crítica.
— Leio que sou um canalha, um facínora, um vendido. Que sou lindo, feio, fofo, nojento. Acho melhor não levar a sério. Qualquer decisão que eu tomar, vão falar. A qualquer passo que eu der, vai haver crítica ou aplauso. Então, deixa para lá. Eu me sinto patrulhado, sim. Mas acho que é normal, tento lidar com isso numa boa. É assim mesmo — conforma-se.
Dia desses, em seu perfil no Twitter, Adnet questionou os protestos à chegada da blogueira cubana Yoani Sanchéz no Brasil, e os classificou como “uma recepção ridícula”. De volta, recebeu uma resposta atravessada. Depois de questionar seu interlocutor, soube que o retorno violento tinha como único intuito chamar a sua atenção:
— É muito doido, muito novo e muito bom, porque é democrático. Foram muitos anos de ditadura, para ter nossa voz ouvida era difícil. Isso é ótimo, mas tem efeito colateral: todo mundo tem carro, então tem trânsito. Todo mundo pode falar, então muita besteira é dita.
Em tempos de internet, acredita Adnet, qualquer fato corriqueiro ganha importância. Uma foto em uma sessão de drenagem linfática, postada em uma rede social — não por ele, que fique bem claro — rende milhares de cliques. “O tosco é o novo cool”, ele diz, lembrando uma das canções que compôs para os tradicionais videoclipes do “Comédia MTV”.
— Você tira uma foto e vira notícia. “Adnet posta foto e come em restaurante japonês”. Do outro lado tem, sei lá, “Mulher Sushi tira foto em temakeria”, e isso vira notícia. Existe esse fenômeno midiático hoje, notícias com pessoas que querem simplesmente a fama. E a gente é posto no mesmo saco que essa galera que faz drenagem de biquíni com a bunda para o alto e posta foto, exibindo a nova prótese de silicone. Podem me chamar de careta ou retrógrado, mas sou o tipo de pessoa que acha isso muito triste — explica.
A falta de variedade na televisão, tão comentada pelo humorista, ganha outros contornos diante de questões sociais. Para Adnet, as mulheres, hoje, têm péssimos exemplos públicos para se espelharem:
— Você pergunta “Meu amor, o que é necessário para você fazer sucesso?” E alguma mulher responde: “Ah, uma bunda bem grande, com pelinhos dourados, um piercing no umbigo, um megahairzinho, um siliconezinho no peito...”. Isso é a fórmula do sucesso para muita gente. Como você vai dizer que não? Você vai dizer “Galera, vamos trabalhar”? Ligue a TV, a internet: o vídeo mais popular tem uma bunda na tela. Tenho um posicionamento contra isso. Existem outros caminhos. O silicone é um caminho, mas não pode ser o único. Aí fica tudo sexualizado pra cacete, e cria-se uma indústria desagradável por trás disso.
No entanto, ele admite dar audiência ao que rotula como “clique negativo”:
— Vejo certas coisas e digo “Que loucura, isso não é possível!”. E clico. Isso vai chegar num ponto de saturação em dois, três anos. Teremos mais um ano de absurdos e depois essas coisas vão ser corriqueiras.
Classificado por ele mesmo como “um cara comum” — “não sou lindo, não tenho uma pele fantástica, sou comum e adoro isso” — , Adnet diz que chega a se achar desinteressante. Seu negócio é trabalho; seu papo é trabalho. Vez por outra chega a invejar quem passa mais tempo no ócio do que na labuta.
— Adoro trabalhar. Convivo com pessoas ociosas, gente sem emprego. Por mais que eu tenha inveja de dormir até as 15h, amanhã eles dormem até as 15h de novo, e depois, e todo dia... Acho que é um vazio muito maior. Quero ser normal, falar fácil. Cheguei na Globo em uma posição muito legal. Fui muito bem recebido, todo mundo quer que eu me sinta bem, livre, sugira coisas e fique à vontade — diz.
Com o trabalho na Globo, Adnet agora vai a São Paulo nos fins de semana. Se antes ele e a mulher, Dani Calabresa, vinham juntos ao Rio para os fins de semana, agora é ele quem voa sozinho para a capital paulista para ver a comediante, uma das estrelas da nova temporada do “CQC” (leia a página ao lado). A mudança nos hábitos tem outro efeito. Com tão pouco tempo livre, criar polêmica está fora de cogitação:
— Não dá tempo de ficar arranjando confusão com as pessoas. No sábado e no domingo, quero ver minha mulher. Trabalho de segunda a sexta, e meu fim de semana é para ficar com ela. No sábado durmo tudo que posso, no domingo já acordo pensando “Ok, amanhã já é dia de trabalhar”.
No entanto, Adnet diz que sua vida pessoal vem antes de qualquer coisa. Uma postura que, em sua visão, artistas mais jovens — ele tem 31 anos — ainda não sabem adotar.
— Eles acham que carreira é mais importante que a vida. Não é. A vida vem primeiro. Vida, família, saúde, tempo livre, amigos. Isso é mais importante do que o cara dizer “Hoje vou fazer oito sessões em Cuiabá, depois vou fazer um evento e um desfile em Brasília, parto direto para um baile de debutantes em Caruaru, depois volto e faço uma capa de sei lá que revista”. Às vezes a gente enlouquece com trabalho, mas o importante é deixar para lá. Deixa rolar, vai abraçar sua mulher e ficar no sofá o dia inteiro — diz.
Dizer não, ele acredita, é muito difícil. Mas o humorista acha que já aprendeu.
— Tive virose, febre, problema de saúde por causa de trabalho. Um dia, acordei em São Paulo às 5h, num hotel, com pequenas baratas e sangue na cama. Peguei o carro, fui para ao aeroporto, voei para Curitiba, gravei um comercial, vim pro Rio para uma peça e peguei um voo no Galeão às 2h para gravar de manhã em São Paulo. Nesse dia eu chorei. Se puder ir mais devagar, melhor — lembra ele.
A parte boa de tanto trabalho, ao menos, é a chance de poder traduzir o cotidiano para a TV:
— Sinto vontade de ser autoral, criar uma crônica. Traduzir o momento e fazer esquete, música. Gosto de abrir o jornal e ver o que está rolando, transformar papos de mesa de bar e das rua em TV. Tenho vontade de falar do dia de hoje, do que está acontecendo agora, do Vasco vice. Tenho vontade, há espaço, mas agora nem conseguiria pensar nisso.

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